quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Há exatos 10 anos (Parte 1)


Há tempos não venho aqui, mas esta data vale um post.



Depois de amanhã (dia 6) completo uma década de Holanda. Mas amanhã, fazem exatos 10 anos que eu partia rumo à tamancolândia.

E este dia fatídico, que pra mim parece que foi ontem, continua claro na minha lembrança.

Começo pelo dia 2 de novembro, 3 dias antes do vôo... uma panela de óleo esquecida no fogo pelo meu pai, quase causou um incêndio. Acordei com os olhos ardente, e sentindo um cheiro forte de fumaça. Corri na cozinha e me deparei com um cenário assustador... a cozinha totalmente preta, destruída pela fumaça... o gás ainda ligado, a lampada da cozinha ainda acessa mas apenas presa por um fio já desmanchando e desencapado. Corri ao fogão e desliguei o gás. Depois desliguei a lâmpada e corri pra chamar meu pai.

Fora a cozinha da minha casa que ficou literalmente pintada de preto, e a casa saindo fumaça por todos os orifícios, também minhas roupas, já separadas pra viagem, e que se encontravam sobre uma mesa (e infelizmente não protegidas numa gaveta), ficaram infestadas com o cheiro da fumaça.

O quase acidente ficou por aí... mas os dias que se sucederem foram de limpesa geral, na casa, roupas, etc.

Depois de tudo mais ou menos em ordem, na noite do dia 4 recebi a visita de amigos que vieram se despedir e desejar boa viagem. Pessoas queridas que vieram me abraçar e me fazer um grande bem. Mal sabem elas o quanto isto significou pra mim. O choro de uma amiga querida na última despedida já na porta da rua... quase me fez cair da muralha que eu vinha criando pra ser forte nos próximos dias que se seguiriam. (Amo esta pessoa e ela sabe disto!)

A última noite na casa dos meus pais (e realmente foi a última pq eles se mudaram pouco depois da minha partida) não foi na minha cama, nem mesmo no meu quarto. Aliás, nem em um quarto foi. Foi na área coberta do andar de cima... num colchão no chão junto com a minha irmã. Foi assim nossa despedida... conversando até cair no sono, já com as luzes apagadas, tentando não pensar muito na distância que iria nos separar a partir do dia seguinte.

Sinto falta de muitas coisas, como por exemplo da casa onde moramos por mais de 18 anos. Esta casa que eu amava e que hoje não nos pertence mais. Mas é ainda a casa que insiste em aparecer em TODOS os meus sonhos... como se eu nunca tivesse morado em outro lugar. Lá morei dos meus 5 aos 23 anos. E mesmo estando há 10 anos aqui... JAMAIS em meus sonhos eu apareço / apareci estando aqui na Holanda. Coisa que eu nunca entendi. Mas que também já cansei de tentar entender. Aceitei a minha dependência do meu passado... e procuro viver bem com ela.

O dia 5 de novembro foi pra mim de muito stress, tristeza, novidade, ansiedade, medo e expectativa.

Acordei 5:30 da manhã e o mundo parecia vir abaixo de tanto que chovia. Deu aquele nó na garganta, uma sensação estranha, mas que eu acreditei que fosse pela ansiedade da viagem. Um amigo do meu pai ia nos levar ao aeroporto. Eu sabia que era a escolha errada, mas eu não quis interferir, contrariar.

O caminho pro aeroporto estava quase intransitável. Muita água, caos, e a sensação de que isto não ia acabar bem, aumentava a cada minuto. De repente mais uma escolha errada: Cortar camiho, saindo da rodovia e indo pelos bairros. Foi então que o que estava ruim ficou ainda pior... o carro simplesmente não pegava mais... e chegar ao aeroporto naquele carro não ia mesmo acontecer.

Com o trânsito confuso, a chuva e todo o caos, já estavamos atrasados. Eu deveria estar as 7 da manhã no aeroporto... mas as 7:20 o carro quebrou e eu ainda estava longe do mesmo.

Desesperei... chorei muito. Meu pai saiu procurando uma solução. Minha mãe e minha irmã tentavam me acalmar. Minha irmã me prometeu que eu chegaria a São Paulo ainda naquele dia, e que eu tinha que acreditar nisto.

Após uns 15 minutos meu pai apareceu dizendo que convenceu um rapaz da vizinhança lá onde estavamos a nos levar até o aeroporto. Ele pagaria o rapaz por isto claro... e lá fomos nós, debaixo de chuva transferir as malas de um carro pro outro e tentar chegar a tempo pro vôo.

O vôo estava marcado pra 8:10 e eu cheguei no check in da Varig as 8:00 em ponto... chorando e pedindo pelo amor de Deus pra me deixarem embarcar, que o carro quebrou no caminho, etc etc. O moço disse pra eu correr lá pra cima pq o portão já ia fechar. Malas embarcadas, passagem ok... lá fomos nós 4 correndo pelo aeroporto. Chegando no portão de embarque nem tivemos tempo pra nos despedir direito (eu penso que foi melhor assim, pra eles e pra mim também). Um abraço apertado em cada um dos 3. Desejo de boa sorte, boa viagem, seja feliz. E claro, nos ligue quando chegar em São Paulo (e qdo chegar em Londres, e quando chegar na Holanda).

E lá estava eu, dona do meu rumo, do meu destino. Uma mistura de medo e expectativa. A sensação de liberdade e de abandono ao mesmo tempo. Um medo absurdo de causar sofrimento e saudade naquelas 3 pessoas que tanto amo.

Mas eu parecia meio em choque, enquanto passava por todos os procedimentos (pela primeira vez na minha vida) de vôo. E só chorei mesmo já dentro do avião, quando da janelinha avistei lá no terraço do aeroporto 3 pessoas dividindo um guarda-chuva... tão ao longe que era quase impossível os reconhecer. Mas eu sabia que eles iriam pra lá. Não havia mais ninguém no terraço, só os 3, debaixo de um só guarda-chuva, olhando praquele avião da Varig na pista, se preparando pra levantar vôo e levar consigo alguém que eles amam muito. E este alguém que também os ama imensamente, foi olhando pra eles enquanto foi possível, com lágrimas nos olhos, no rosto, na roupa. Sentindo saudade e culpa ao mesmo tempo.

Cheguei em São Paulo as 9 da manhã e lá ficaria até as 18 horas... horário do vôo pra Londres (e depois Amsterdã). Foi um dia longo. Andei, li, fiz compras, lanchei, andei, li, andei, lanchei... Mas ao anoitecer eu já estava novamente em um avião, prestes a sair do meu país pela primeira vez.

Estava tão cansada que depois do jantar, dormi, e só acordei quando o avião já ia pousar em Londres...

(este baú de memórias continua a ser aberto depois de amanhã, dia 6, dia dos 10 anos da chegada na Holanda)